A emigração (portuguesa) em cinco canções

 A emigração (portuguesa) em cinco canções

O que seria do mês de agosto sem emigrantes no baile de verão? Sem carros na estrada com matrícula suíça e a bandeira de Portugal na bagageira? Estar numa praia e ouvir a clássica frase “Carlos Miguel, tu vas tomber?”. Os emigrantes são parte integrante do imaginário português e a música nacional acompanhou de perto a evolução do nosso êxodo. Por isso, já que estamos no mês adequado e aproveitando a minha condição de expatriado, escolhi cinco canções que pintam parte da história de quem vive noutro país e volta por uns dias de verão.

Esta lista começa nos tempos da mala de cartão, quando os emigrantes iam com uma mão à frente e outra atrás à procura de um futuro menos miserável, levando quase nada e, até, cruzando fronteiras de maneira ilegal. Caso de Teolinda Joaquina de Sousa Lança — Linda de Suza — que chega a França de maneira clandestina na década de 70 e acaba por lançar um hino à emigração portuguesa: “Um Português (Mala de Cartão)”.

A canção fala do que passa pela cabeça de uma pessoa ao partir: as dificuldades; quem fica para trás; a esperança de um futuro mais risonho. Imagem da emigração típica da época, em que se ia com pouco para regressar com muito, o mais rápido possível. Tal como o estado mental de um emigrante que deixa o que conhece, esta canção tem o toque de um triste fado de partida em direção ao desconhecido.

Depois da partida, vem a chegada e, com essa nova realidade, a saudade do país e das origens. Faz-se o que se pode para diminuir a distância, para continuar perto mesmo estando longe. Antes das tecnologias modernas, as cartas eram fulcrais para ajudar a controlar as saudades, como mostra “Postal dos Correios”, dos Rio Grande, grupo que juntou Tim, Rui Veloso, Jorge Palma, João Gil e Vitorino no final dos anos 90.

O narrador desta canção escreve uma carta onde pergunta pelos pormenores da vida da terrinha, por mais insignificantes que sejam. Desde a seca da ribeira até ao estado das oliveiras, o locutor continua a querer ser parte dessa vida. E “Postal dos Correios” também toca o tema da saudade onde mais importa: na barriga. Mesmo noutro país, quando chega um “pão de trigo e linguiça p’ra merenda sempre dá para enganar a saudade”.

Apesar disso, a única solução para matar a saudade é voltar a casa e é por isso que o mês de agosto se tornou sinónimo de visitas de emigrantes. No entanto, a pressa em chegar, que leva as pessoas a tentar atravessar meia Europa de carro num par de dias para voltar mais depressa à aldeia natal, pode ter finais trágicos e resultados mortais. Uma realidade negra que Graciano Saga retrata em “Vem Devagar Emigrante”.

Num fatídico mês (de agosto, claro), um emigrante na Alemanha está na estrada de regresso a Portugal e, vítima do seu próprio sono e velocidade, acaba por falecer com a sua família num infeliz acidente de viação Uma canção que exemplifica os perigos de estar fora e perder-se pelo mundo.

Felizmente, nem todas as histórias são tão trágicas e a maioria acaba com sorrisos no rosto, como nos lembra Dino Meira com o seu “Voltei, Voltei”. Um hino à alegria de voltar onde se cresceu e sentir que se está onde se deve, chegando ao extremo de dizer que “Vale mais um mês aqui / Do que um ano inteiro lá”.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas voltar a casa tem sempre um sabor especial. Hoje em dia — pelo menos na minha geração — já nem todos têm esta vontade de voltar a qualquer custo, mas um regresso (ainda que temporário) é sempre animado. “Voltei, Voltei” é o contraponto da canção anterior — que representa o pior dos cenários — e canta de cabeça erguida que, entre altos e baixos, ainda estamos aqui.

Não fosse eu português e esta lista acabaria com algo mais animado, mas tenho de terminar numa nota nostálgica já que as férias também acabam. Na última canção da lista, Paulo Alexandre resume as dores do emigrante num tema que tem por título algo que me falta por aqui: “Verde Vinho”.

Longe do seu país, um homem volta a casa numa noite fria e entra no bar. Outro português oferece-lhe um copo de vinho verde que o traz de volta à aldeia branca que deixou. São brindes assim que melhor demonstram a experiência da emigração. Entre os sofrimentos do dia a dia, alguns momentos ajudam a equilibrar a experiência.

Os emigrantes de hoje são diferentes dos de antes e estas canções já são documentos históricos. Existem menos malas de cartão, outra visão da vida, mas muitos dos sentimentos são os mesmos, por isso, sabe sempre bem brindar às nossas raízes. E pronto, já que é verão, e esta crónica foi mais agridoce que o esperado, tomem lá um bailarico!

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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