Amo a minha terra

 Amo a minha terra

(Direitos reservados)

Cartas de Almendra

Amo as raízes da minha terra, as suas criaturas, as pedras que são compêndios escancarados de indizíveis baques de emoção. Amo andarilhar pelos campos abocanhando tonalidades, afeiçoar-me ao prodigioso azeite, ao maduro tinto mais honesto, às lambarices de amêndoas e amoras bravas. Amo escutar no azulino silêncio a cotovia-de-poupa, e ver, encantado, o planar do gavião nas correntes de ar quente, gritava o garotio na era da escola primária impingir catetos e hipotenusas, heróis e mártires, e do professor Patrício, de Castelo Melhor, nos obrigar a manter a coluna vertebral em fio de prumo, “nas carteiras e ao longo da vida, meus rapazes”, e vai nós, agachados, à risoteira enquanto arriávamos o calhau no olival limpando o cu às folhas das cópias, das redacções e dos ditados, ponto final e disse. Naquele tempo, como se refere nas sagradas escrituras, o cinema ambulante, o maravilhoso, o deslumbrante Cinema Paraíso dava entrada na aldeia numa traquitana com os cartazes ao dependuro e o alto-falante amarrado ao capot. Então, das suas goelas se anunciavam dramas comovedores, um final feliz, sonhos em série, senhoras e senhores, respeitável público, hoje à noite, não percam, não percam.

Almendra (viagens.sapo.pt)

Amo os aromas a véu-de-noiva, melissa, tu és melissa, meu amor de infância, e sargacinha, tu és macio feno nas manhãs outoniças ou noitadas de tempestade armada e… valha-nos Santa Bárbara bendita e todas as criaturas da corte celestial. Amo acompanhar os pastores meus amigos, o Zé Miguel, o Tone Magano, e um deles vai de celebrar o nascituro com realejo Hohner. Amo anotar lendas e lengalengas das rezadeiras  – era uma vez… havia tempo… escutei dizer…  – enquanto dos velhos que já foram zangadiços, que já foram notáveis borracholas, ai se foram… vou apreendendo a labuta rude, a nobre humildade. Com o senhor Francisco Agulheiro, meu querido, saudoso lavrador amigo aprendi a leitura nas estrelas – só mesmo de sábio analfabeto.

Amo perder-me em adegas com chão de terra batida, assomando aos convivas, melhor, assomando aos compinchas arados, albardas, potes com azeitonas e tranças de cebolas, e enche-se mais um caneco, no encalço outro, mais outro da espécie, p´ra sossega! Mas eis que arribam à funçanata taliscas de queijo caseiro, teclas de toucinho, salada de morujes, hemisférios de tomate granizados de sal e, assim na terra que tanto amo, sinto-me senhor do tempo, um verdadeiro terra-tenente, mais ainda, sinto-me soberano de uma civilização limpa e absolutamente límpida.

Ah, sabem lá vocês, ó urbanos ensimesmados, nervosos, engabinetados, escravos de ecrãs o que é alvorecer com o Jaime Caixas, o Abílio Porrinhas, ora a senhora Ana oferecendo-me batatas, nabiças, maçãs, espargos selvagens. Sabem lá o que é dar a salvação à vizinhança e deixar a porta de casa somente encostada e partir, livre e apaziguado para as montanhas, restolho, pombais, moinhos, barrocais do Côa e viver, viver uma data de dias sem rádio e televisão, sem jornais e net e, lá pelas madrugadas abafadiças, encontrar o deleite do luar num copo de vinho enxertado de sereníssimo renascer.

.

17/05/2018

Siga-nos:
fb-share-icon

Alfredo Mendes

Outros artigos

Share
Instagram