Brasil de jacarés e jararacas

 Brasil de jacarés e jararacas

Lula, como sabem, voltou ao páreo! A bolsa então caiu, o Real virou pó, o Bolsonaro tremeu e o Moro se escondeu. Mas para os incautos que ligaram a tv ou abriram um jornal nesses últimos dias restou a certeza de que a principal vítima do retorno da jararaca foi o hipotético futuro candidato de centro. O homem ou, menos provável, mulher que salvaria nossa nação do radicalismo, do populismo e de quaisquer outros ismos que se possa pensar. Esse nobre herói foi declarado morto e todos devemos velar o cadáver. Um cadáver que nunca foi vivo.

Os editoriais lamentam a volta da polarização. A extrema Direita, hoje no governo, enfim teria um contendor à altura. Mas para desmentir o ditado de que é errando que se aprende, quase a totalidade da nossa estimada imprensa retrata novamente Lula, e a Esquerda que ele representa, como a outra face de uma mesma moeda sem valor. Uma opção tão ou, quiçá, mais desalentadora do que aí já está. O embate entre extremistas definitivamente inviabilizaria o surgimento de um postulante civilizado, responsável e, como vaticina o Estadão, “catalisador dos anseios dos brasileiros ajuizados” contra “dois veteranos da desfaçatez e da truculência” e “arruaceiros da democracia”. Em uma coisa eles têm razão, salvo novo golpe jurídico, em 2022 escolheremos entre a Direita e a Esquerda, sem subterfúgios.

Não é novo o movimento que apregoa que a validade conceitual da dicotomia Direita/Esquerda já haveria caducado, uma besteira repetida ad nauseam. Mas é curioso o que aconteceu com o prestígio dos dois termos ao longo dos anos, ao menos no Brasil. No período que se seguiu ao fim da ditadura, o rótulo de Direita foi transformado em tabu. Não era sensato se declarar como direitista, mesmo que inequivocamente o fosse. Já ser de Esquerda era socialmente aceito, não carregava o estigma dos maus feitos dos generais. Essa lógica foi invertida em algum momento da década passada. Enquanto a direita saia orgulhosa dos recôncavos em que se escondia, esquerdista se tornou insulto desclassificante, daqueles que supostamente encerraria discussões. No entanto, a imersão de mais de dois anos na distopia burlesca em que vivemos serviu para novamente bagunçar o tabuleiro. A Esquerda não recuperou o seu bom nome, mas ao menos já se nota um constrangimento, penso que saudável, em estar associado à Direita. Eis que, neste deserto de significados, volta a ganhar força a figura mitológica do centro, que outrora já fora invocada pela alcunha de terceira via ou, no caso dos fiéis mais fervorosos, por “centrismo radical”, seja lá o que isto queira dizer.

Desafiando uma máxima de Brizola de que se algo tem pele de jacaré, olho de jacaré, boca de jacaré, então só pode se tratar de um jacaré, há um esforço incontido para dar ao réptil um nome fantasista mais palpável. A história nos diz que esse jacaré defenderia as mesmas políticas econômicas que hoje já estão em pauta, trataria com análogo desdém a legião de pobres e miseráveis que se avoluma e abdicaria com subserviência similar da soberania nacional. Tudo muito parecido, só que usando máscara e com algum senso do ridículo. Isto, não nego, já seria um bom avanço, mas não o suficiente para ser rebatizado de centro. 

Posto que o status quo tende a abrigar a desigualdade, a Esquerda é, naturalmente, revolucionária, no sentido mais amplo do termo. Em oposição, a Direita sempre abraça o conservadorismo, não necessariamente por perversão, mas por tomar como correta a premissa de que somos indelevelmente desiguais. Eventualmente a percepção desses ditames se embaça, por contexto ou oportunismo. As práticas e os discursos também podem se amenizar ou recrudescer. Mas a essência da dicotomia nunca deixa de ser o embate entre o que sempre foi contra o que poderia ser.

Esquerda e Direita, portanto, mais que meras convenções, são representações de princípios intrínsecos. O dito centro, além de refúgio para os envergonhados de ocasião, é apenas um castelo de areia semântico que não inspira paixões, não acalenta corações e, certamente, não arrasta multidões. E agora está claro que não será diferente em outubro do ano que vem.

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Rodrigo Monteiro Carvalho

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