Brasil e o movimento antivacinas

 Brasil e o movimento antivacinas

O Brasil está hoje na rota do movimento antivacinas, ou antivax. Paralelamente, o discurso anticiência no país está perigosamente em alta. Mas nem sempre foi assim.

De 5 a 31 de outubro, o Ministério da Saúde do Brasil (MS) realiza, em todo o território nacional, duas campanhas de vacinação: uma contra a poliomielite e outra de multivacinação, voltada à atualização das cadernetas de crianças e adolescentes. Desde a exitosa campanha de erradicação da varíola, em 1962, e a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), em 1973, a cobertura vacinal no país cresceu gradativamente, chegando a superar a casa dos 95%. Atualmente, o calendário de rotina do PNI garante acesso universal e gratuito a 44 imunobiológicos para todas as faixas etárias, incluindo 19 vacinas, em aproximadamente 34 mil salas de vacinação do Sistema Único de Saúde (SUS).

No Brasil, a lei que regulamentou o PNI e organizou as ações de vigilância epidemiológica, em 1975, tornou obrigatória a vacinação básica no primeiro ano de vida. Em 1988, a Constituição estabeleceu a saúde como direito do cidadão e dever do Estado, incluindo a imunização. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, instituiu a obrigatoriedade da vacinação nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias e, em 2014, o programa de transferência de renda conhecido como Bolsa Família – em vias de mudança pelo governo atual – passou a condicionar a concessão do benefício à vacinação obrigatória de crianças de zero a seis anos, entre outras exigências.

O Brasil está hoje na rota do movimento antivacinas, ou antivax. Paralelamente, o discurso anticiência no país está perigosamente em alta. Mas nem sempre foi assim.

De 5 a 31 de outubro, o Ministério da Saúde do Brasil (MS) realiza, em todo o território nacional, duas campanhas de vacinação: uma contra a poliomielite e outra de multivacinação, voltada à atualização das cadernetas de crianças e adolescentes. Desde a exitosa campanha de erradicação da varíola, em 1962, e a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), em 1973, a cobertura vacinal no país cresceu gradativamente, chegando a superar a casa dos 95%. Atualmente, o calendário de rotina do PNI garante acesso universal e gratuito a 44 imunobiológicos para todas as faixas etárias, incluindo 19 vacinas, em aproximadamente 34 mil salas de vacinação do Sistema Único de Saúde (SUS).

No Brasil, a lei que regulamentou o PNI e organizou as ações de vigilância epidemiológica, em 1975, tornou obrigatória a vacinação básica no primeiro ano de vida. Em 1988, a Constituição estabeleceu a saúde como direito do cidadão e dever do Estado, incluindo a imunização. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, instituiu a obrigatoriedade da vacinação nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias e, em 2014, o programa de transferência de renda conhecido como Bolsa Família – em vias de mudança pelo governo atual – passou a condicionar a concessão do benefício à vacinação obrigatória de crianças de zero a seis anos, entre outras exigências.


Lançamento da campanha de combate à varíola em Natal, Rio Grande do Norte, em 1970. Faixas convocam a população a se vacinar contra a doença. (Foto: Acervo da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz)

Por décadas, o lançamento e a realização das campanhas nacionais de vacinação foram massivamente promovidas e bem acolhidas pela população. De três anos para cá, no entanto, o Brasil passou a figurar no rol de países nos quais a vacinação universal de crianças vem caindo a níveis preocupantes. Dados do PNI divulgados este ano mostram que a cobertura vacinal está em 51,6% para as imunizações infantis, quando o ideal seria 95% para doenças como sarampo, e de 90% a 95% para coqueluche, meningite e poliomielite.

A questão é tão séria que a Organização Mundial da Saúde (OMS) elencou a relutância ou recusa em se vacinar, apesar da disponibilidade da vacina, como um dos dez maiores riscos à saúde. A ‘hesitação vacinal’, segundo a organização, ameaça reverter o progresso mundial feito no combate às doenças evitáveis por imunização.

Especialistas em saúde pública, gestores, pesquisadores e profissionais de saúde em geral vêm apontando o risco do retorno de doenças até então praticamente erradicadas. Não é de hoje que se reconhece a influência de fatores socioculturais, políticos e individuais sobre a cobertura vacinal de um dado grupo ou coletividade. Até mesmo o sucesso das vacinas pode impactar negativamente a adesão às campanhas, uma vez que há doenças que as gerações mais novas desconhecem. Mas o Brasil, justamente pelas conquistas do PNI, considerado referência mundial, merece um olhar atento para o fenômeno.

Post do Ministério da Saúde no Twitter em 2018, com o personagem
Zé Gotinha, criado na década de 1980 para as campanhas de vacinação
contra a poliomielite. Por sua aceitação, virou símbolo das campanhas
nacionais do PNI. (Fonte: Blog da Saúde)

O Brasil na rota dos antivax

Pesquisas recentes apontam que o Brasil, ainda que timidamente, entrou na rota de um agente que atua com força nos Estados Unidos e vem crescendo em alguns países europeus: o movimento antivacinas, ou antivax.  Baseado em teorias conspiratórias e falácias propagadas exponencialmente nas redes sociais digitais, principalmente no Facebook, Whatsapp e YouTube e mesmo na Amazon, considerado um grande promotor de livros antivacinas, o movimento vem preocupando especialistas.

Em estudo realizado entre 2018 e 2019 e publicado em agosto deste ano nos Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz, pesquisadores investigaram o engajamento e as interações nas redes sociais sobre a palavra-chave ‘vacinas’. Com base na coleta dos 100 links mais compartilhados, curtidos e comentados no Facebook, Twitter, Pinterest e Reddit, os resultados apontam que há alta disposição pró-vacina (87,6%) e um forte interesse em temas ligados à saúde, ao desenvolvimento científico e às políticas de saúde no Brasil. Mas a rápida disseminação de informações falsas indica um cenário de crescimento do discurso anticiência.

O estudo constata que o fato de as pessoas buscarem informações por si mesmas na internet pode sujeitá-las a aceitar como verídicas informações desqualificadas ou mentirosas, fazendo-as duvidar e questionar dados científicos comprovados muitas vezes há décadas. Tal comportamento ainda pode levar o usuário a crer que domina assuntos que absolutamente desconhece, levando-o a sofrer do chamado efeito Dunnig-Kruger.

“As fake news representaram 13,5% dos links com maior engajamento, o que indica um dado preocupante em relação à desinformação sobre as vacinas”, alertam os pesquisadores. De fato, alguns acontecimentos recentes no Brasil podem sugerir que até mesmo governantes e seus assessores estão suscetíveis ao efeito Dunning-Kruger e, por ignorância, irresponsabilidade ou má-fé, dão asas aos antivax.

Impulso oficial

Há cerca de um mês, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) pegou carona em um comentário do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, para realizar uma ação publicitária no mínimo questionável. Em frase dita a apoiadores, ele afirmou que ninguém deve ser obrigado a tomar vacina, referindo-se à vacina contra a Covid-19, em fase de testes para produção na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e no Instituto Butantã, em São Paulo.

Mesmo ciente do vultoso investimento que o próprio MS vem fazendo para a produção de um imunizante contra o novo coronavírus, a Secom achou por bem reverberar o desastroso comentário do líder negacionista e de extrema direita do Brasil e lançou, em suas páginas nas redes sociais, peças publicitárias com a fala presidencial.

A imprensa nacional traduziu a ação do órgão como um claro recado de apoio institucional do governo ao movimento antivacinas. Com o falso pretexto de defender a livre escolha dos cidadãos, o presidente e sua assessoria de comunicação jogaram com palavras para desinformar e confundir. Não à toa, Bolsonaro, militar reformado, foi chamado por um colunista do jornal O Globo de “capitão corona”.

Fonte: site UOL.

Uma recente análise da União Pró-Vacina, grupo formado por instituições ligadas à unidade da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto (SP), que atua no combate à desinformação sobre vacinas, atestou que a fala presidencial reverberou nos grupos antivax brasileiros. As peças publicitárias da Secom, segundo o grupo da USP Ribeirão Preto, tiveram ampla repercussão no Twitter (cerca de 4,5 mil comentários, 10,2 mil compartilhamentos e 7,5 mil reações).

Já no Facebook, foram aproximadamente 5,8 mil reações, três mil comentários e 4,7 mil compartilhamentos. O estudo constatou que em apenas 24 horas após a divulgação das peças da Secom, os grupos antivacinas nas redes sociais fizeram 14 publicações, totalizando 773 interações, sendo 426 reações, 264 comentários e 83 compartilhamentos. Os números acenderam o alerta e a União Pró-Vacina acabou elaborando um guia sobre como lidar com o negacionismo científico, para auxiliar no combate à desinformação sobre o tema.

“Se por um lado a Secom demonstra ter uma estrutura ágil para criar e disseminar peças que podem gerar desconfiança sobre as vacinas em um momento crucial, por outro, a página Ministério da Saúde – Vacinação no Facebook, dedicada exclusivamente à divulgação de informações sobre vacinas e que possui mais de 1,1 milhão de seguidores, não divulga uma peça de comunicação desde o dia 5 de junho”, destacam os responsáveis pelo estudo.

No portal do Ministério da Saúde na internet, a notícia sobre o lançamento das campanhas nacionais de vacinação, em curso até o final deste mês, ganhou pouco destaque e já foi retirada do ar. Órgão governamental que em passado recente era reconhecido por suas memoráveis campanhas de vacinação, o Ministério da Saúde – sob a gestão do atual governo – parece estar colocando em segundo plano o acesso a um bem público essencial para a saúde coletiva, justamente quando investe bilhões em uma vacina contra o novo coronavírus.


Cristiane d’Avila é jornalista da Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz.

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Cristiane d'Avila

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