Brunch catalão

 Brunch catalão

brunch é uma dessas modas que se considera actual quando na verdade é uma tradição centenária, apropriada por subculturas modernas. O termo aparece tipografado pela primeira vez em 1895 (ano em que, por sinal, começa a guerra de independência de Cuba contra Espanha) num artigo intitulado “Brunch: A Plea” — em tradução livre, “Alguém disponível para Brunch este Domingo?” — de Guy Beringer. Neste artigo, Beringer defende a necessidade de refeições mais ligeiras e mais tardias do que o até então habitual combinado de carnes pós-ida-à-Igreja de cada Domingo. O facto de permitir ficar na cama até mais tarde num Domingo sem perder o pequeno-almoço seria apenas um extra.

A ideia pegou e esta flexibilidade de horários tornou o brunch uma realidade da vida moderna, um direito adquirido por todos aqueles que saíram até tarde no Sábado anterior. É um conceito sobretudo urbano e nenhuma cidade pode viver sem oferecer este pequeno-almoço tardio. Barcelona não é diferente.

Para quem caminha, vindo da praia de Barceloneta, em direcção às estreitas ruas do bairro Gótico procurando ovos mexidos, num domingo solarengo pela manhã, é fácil esquecer os problemas básicos de quem vive em Barcelona. Rendas demasiado altas, cidade descaracterizada pelo excesso de turistas — que importam estas coisas quando hoje não se trabalha. Contudo, há uma realidade catalã que é impossível de ignorar.

Em frente à estação de França, na Avenida (Avinguda para os locais) del Marquès de l’Argentera hoje não passam carros. Uma multidão — entre 350.000 a um milhão de pessoas, dependendo de a quem se pergunta — ocupa a estrada. À bandeira da Catalunha (a oficial Senyera e não a Estelada, mais conotada com movimentos independentistas) junta-se a de Espanha, dica visual que permite identificar esta manifestação como anti-independência. Aqui e ali vêem-se bandeiras da União Europeia mas isso não ajudaria muito à navegação, já que, embora “Europa” seja também uma das palavras de ordem dos independentistas, a divisão do Estado Espanhol não recebeu nenhum apoio claro de nenhum membro da União.

“Basta! Recuperemos la sensatez” é o argumento do dia mas — caso a manifestação fosse do lado oposto — as mesmas palavras poderiam ser ditas. Fora de interesses políticos ou económicos, existe uma componente emocional em questões de independência que turva tudo ao seu redor. Muitos tentam, mas dificilmente alguém de fora conseguirá entender de facto o que sente alguém que quer lutar para sair de uma união que não considera sua. Ao mesmo tempo, os outros “locais” que não sentem esse desejo ficam incrédulos com quem não se sente parte do todo.

Independência é identidade, sentimento de pertencer a algo ou rejeitar o “outro”. Todos manifestamos este desejo, de uma maneira ou outra: somos Portugueses, mas ao mesmo tempo “bairristas” ou ignoramos por completo a nossa cultura, o que também nos acaba por definir. Identidade é sentimento e os sentimentos podem sempre ser aproveitados por outras pessoas.

As bandeiras continuam a passar em frente a edifícios com idade para recordar momentos mais negros da história de Espanha. Já sentado no restaurante, escolhem-se os ovos. Beringer estaria orgulhoso — nem a história pode interromper a sua proposta de refeição. Enquanto passam Senyerascomo podiam passar Esteladas, fica a dúvida: estamos a viver história ou isto é apenas um outro brunch para fazer passar um Domingo tardio.

17/05/2018
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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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