e-burocracia

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Mike Kononov (Unsplash)

Quando se pensa em burocracia é quase inevitável que nos venham à mente repartições atoladas em impressos ou fotocópias, horas ou dias perdidos para conseguir um atestado ou um parecer que logo encontrará o seu precioso sítio em determinado dossier, processos complexos compostos por dezenas ou mesmo centenas de documentos aguardando todo o tipo de carimbos de aprovação ou reprovação, pastas de cartão amontoadas em arquivos, toneladas de papel. Para pessoas, organizações e governos, eliminar o papel – ou, usando um termo tão gasto como vazio, desmaterializar – tornou-se sinónimo de desburocratizar. Desafortunadamente, as coisas não são assim tão simples.

Com a generalização da utilização das tecnologias da informação e comunicação (TIC), a luz da esperança da desburocratização apareceu ao fundo do túnel. De repente, muitos se aperceberam do potencial das TIC para eliminar o papel e, por consequência, no seu entender, para desburocratizar. Quão melhor seria um mundo sem papel, no qual todos os processos e procedimentos pudessem ser executados e controlados sem necessidade desse suporte arcaico! Acabe-se com o papel e, com isso, erradique-se a burocracia! Simplifique-se a nossa vida!

Claramente, o recurso a sistemas de informação e à Internet tem vindo a conduzir a grandes benefícios para os cidadãos, evitando deslocações e desperdício de muitos milhões de horas em filas de espera. No entanto, infelizmente, também existem maus exemplos que, de forma alguma, podem ser considerados isolados. São dois os grandes tipos de erros na utilização das TIC para alcançar a desburocratização. Por um lado, em muitos casos, a chamada ‘desmaterialização de processos’ limita-se a reproduzir por meios informáticos os processos pesados e incompreensivelmente ilógicos dos antigos processos em papel. Ou seja, desmaterializa-se, sim, mas mantém-se intocada toda a orgânica processual, independentemente da inadequação dessa orgânica aos novos tempos e novas exigências. Por outro lado, noutros casos, aproveita-se o potencial das TIC para recolher muito mais informação e documentação do que a que é estritamente necessária para o assunto em causa. Ou seja, pedem-se muito mais dados e informação, tornando os processos ainda mais pesados e irracionais.

Mais do que por razões do suporte utilizado (papel ou TIC), a burocracia existe por questões culturais muito enraizadas na sociedade. Há que tornar os processos complexos e fora do alcance de todos, por forma a afirmar autoridade, exercer poder, criar a sensação de que se produz algo e de que se é essencial, garantir o controlo dos processos. Se, para isso, tiver que se prescindir do papel e passar a usar as TIC, seja. Que se aproveite a oportunidade para enganar tolos, burocratizar um pouco mais e consolidar o reinado da e-burocracia.

04/10/2020

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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