Internet superstar

 Internet superstar

Muhammad Raufan Yusup (Unsplash)

Independentemente das grandes discussões e mistificações sobre a data de “nascimento” da Internet e sobre quem foi o seu “pai”, das quais fujo sempre que posso por considerá-las inúteis e, inevitavelmente, inconclusivas, o facto é que a verdadeira “mãe” da Internet foi uma grande comunidade científica e técnica internacional, tendo o “parto” ocorrido nos finais da década de 1970 e princípios da década de 1980, com sequelas e complicações que se prolongaram pela década de 1990.

Como criança problemática que sempre foi e continuará a ser por largas décadas, muitas foram as operações de natureza técnica a que a Internet foi sujeita, de modo a atingir uma maturidade mínima. No entanto, infelizmente, os problemas da Internet não são de caráter meramente técnico – apesar de esses não serem poucos e exigirem a atenção constante da referida “mãe”, secundada por uma panóplia de cuidadores – podendo, até, dizer-se que, com o crescimento desmesurado, praticamente explosivo, ocorreram muitas malformações que a marcarão para sempre.

Os problemas não técnicos começaram, por um lado, quando a Internet se transformou numa descomunal fonte de informação e, por outro lado, para ajudar à festa, quando entrou no mundo das relações interpessoais, transformando-se na ferramenta de interação social por excelência. De repente, quase de um dia para o outro, surgiu uma estrela da qual todos se queriam aproximar, à qual todos queriam estar associados, de que todos se gabavam de tratar por tu.

Um pouco à semelhança de algumas crianças que atingiram a notoriedade muito cedo – de que tantos exemplos existem na história do cinema e televisão – e que, por isso, cresceram de forma desequilibrada, sem controlo, sem regras e sem princípios, também a Internet sofreu e ainda sofre de todo o tipo de “desvios” e “psicoses” típicas de uma celebridade precoce. No topo do mundo, intocável e famosa, passou a ser a dona da informação e, por conseguinte, todo-poderosa. Paradoxalmente, esse poder passou a ser ainda maior com a desinformação e com a incerteza de quem controla quem, de quem valida o quê, do que é verdade ou falso. O que está na Internet ganhou força e autoridade, passou a ser certo até prova em contrário. No lado social, tudo o que aparece na Internet e nas redes sociais passou a ser copiado, nasceram Youtubers, TikTokers e influencers, que podem mais do que quaisquer outros, pelo simples facto de terem milhões de seguidores na omnipresente e omnisciente Internet.

No seu caminho para o estrelato, a Internet continua a condicionar o mundo, a distorcer valores, a moldar personalidades à sua imagem, a transformar o errado em certo, o fútil em virtude, o vazio em substancial. Já não se trata de um mero desenvolvimento tecnológico, de uma ferramenta de comunicação, de uma rede de redes e de equipamentos. Trata-se, sim, da Internet superstar, à qual só sobreviveremos como seres inteligentes quando percebermos que é ela que nos serve a nós e não o contrário.

02/12/2021

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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