Maio renovado

 Maio renovado

(Créditos fotográficos: A. Rodrigues – direitos reservados)

A Natureza desabrocha, fecundante, procriadora. Granjas de amor, “canções de Maio”. Revolucionário primeiro de Maio. O Mês de Maria, desde o século XVIII. Em Maio, a aparição da Senhora que dona Leonor anualmente cedia à escola primária e a cujo trajecto obedecia um préstito de menores com o Barriga de Gatcho temeroso de a Virgem se esforricar na calçada. Depois das aulas, a obrigatoriedade do terço papagueado, e os cachações do professor a castigar distraídos ou travessos.

As maias contra bruxedos; maias, flores amarelas das giestas negrais consideradas sagradas pelos druidas celtas. Maio dos gatos aluados miarem choro de bebé, dos caracóis pontuarem os muros com os corninhos estendidos ao sol. Da exaltação da abelha-rainha voar para a fecundação, alimentando de mel e pólen as abelhas que criou para bel-prazer dos zangões. Mês dos rouxinóis cantarem no vergel, e de acasalarem a cegonha-preta e branca, a águia-cobreira, o milhafre negro, o melro-azul, o papa-moscas-cinzento, o noitibó-de-nuca-vermelha e as andorinhas irrequietas e chilreantes. Ah, as andorinhas de mil e uma redacção sobre a chegada da Primavera…

Maio das cobras largarem a camisa e dos lagartos postados ao sol. Do florescer da esteva, giesta, piorno, violetas e rosmaninho. A cereja bical entre o verde das folhas, mais folhas. Folhas que rebentam nos carvalhos, castanheiros, azinheiras, freixos. Folhas de freixo para o chá contra o ácido úrico e prisão de ventre, quantas vezes das mais aflitivas prisões, posto o rei dos enxovalhos se representar por uma criatura borrando-se no olho da rua.

A festa da espiga, espigas e papoilas catadas nos campos de cereal e que, amarradas por um nagalho, se punham atrás da porta, para dar sorte. O mês de se formarem uvas e azeitonas para regalo do lavrador. Maio do perfume da flor-de-laranjeira, dos luminosos botões de rosa cor-de-rosa.

Acariciar uma rosa é acariciar um seio.

Doces e finos cálices alabastrinos e escarlates, a rosa trepadeira, canina, a rosa-chá, as rosas de Santa Terezinha. Rosas airosas de Alexandria que os árabes haveriam de nos trazer, «mulher para ser mulher, tem de se chamar Maria/ a rosa que é rosa, tem de ser de Alexandria.» Prosas de rosas, são rosas, Santa Isabel, isabela, como a aragonesa muito gostaria de ter sido para gáudio geral e, claro, de sua majestade poeta, que Deus guarde.

Maio, o mês das trovoadas de fazerem mijar as ovelhas nas terras pastadeiras. Das litanias tartamudeadas em honra de Santa Bárbara bendita no céu está escrita com uma pia de água-benta, Nossa Senhora nos livre desta tormenta. Relampeja. Ai, magnífica!

As mulheres ainda na idade do jogo do cântaro juntavam-se à beira da árvore centenária desfolhando vidas alheias. Lavadeiras as outras, ajoelhadas na banquinha de madeira – a tacoila -, ensaboavam e esfregavam e batiam e enxaguavam trouxas de roupa nas lajes inclinadas para o ribeiro que corria, atrevido e limpo, ao longo do sopé da Ladeira dos Gamões. Ah, Deus vos guarde, lavadeiras, – que Deus vos queira guardar, assim mesmo cantarolou o professor n ´ “A Morte de D. Beltrão” e elas tornam que tornam a bater a roupa nas lajes inclinadas para o ribeiro que o sol torna faiscante.

Roupa torcida, batiam-na outra vez nas pedras, prás!, prás!, salpicos de água. E lavavam cestas e mais cestas de tecidos, enquanto, já valente e traquina, Ilídio Santana montava em pêlo a égua cor de azeviche. Animal fantástico, ficai a saber, pois voava Ladeira dos Gamões acima, montes e vales, transpunha regatos e rios, ele agarrado ao destemor das crinas do vento.

Égua-água.

Por bermas e valetas caminhavam algumas mulheres casadas com o luto pesado, nem se atreviam a usar casaquinhos de malha de tons monótonos. Carregavam cestas à cabeça e bordão de peregrino entre as mãos. Pela berma das estradas, a pé, dedos em ferida, iam longe, muito longe cumprir promessa. Dias depois, entoando o Avé, Avé-Maria, as senhoras da aldeia empreendiam as mesmas pisadas, mas na comodidade da melhor camioneta da frota do Lopes. Santuário de Fátima, multidão, sacrifícios, preces e merendeiros.

Mês de esperanças – Maio, verde Maio.

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05/05/2021

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Alfredo Mendes

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