Portugal, menos mal

 Portugal, menos mal

“De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento”. O ditado é antigo, marca de uma tensão histórica que já não tem o impacto de outros tempos. Contudo, um português que viva em Espanha descobre que deste lado há uma expressão mais recente mas também nada positiva: “menos mal que nos queda Portugal”.

Popularizada como título do álbum de 1984 do grupo punk galego Siniestro Total (infelizmente sem canção com o mesmo nome, o disco é um achado que inclui uma versão do Sweet Home Alabama ajustada à realidade da Galiza — “Miña terra galega”) existem várias versões sobre o seu significado. A mais divertida é que surgiu porque os portugueses na hora de votar na Eurovisão — mais por simpatia que outra coisa — eram a última esperança espanhola para conseguir pelo menos um ponto no concurso.

A menos engraçada — mas mais comum — é a de que, antes de entrar na Comunidade Económica Europeia, não importava quão mal Espanha estava nos rankings europeus porque Portugal salvava o brio nacional ao aparecer ainda pior. No fundo, uma frase para resumir uma perspetiva de Portugal no estrangeiro: país simpático, mas de pouco impacto. Uma visão a que nem sempre conseguimos escapar e que nem sempre é totalmente mentira.

Os anos passam e as perceções transformam-se. Em 2010, os BLA (duo indie pop espanhol) lançam o single “Yo Soy Como Portugal”, em que a vocalista se compara a Portugal já que ambos são um tesouro escondido que as pessoas teimam em não descobrir. Uma irónica declaração de amor, mas também um sinal da evolução dos tempos, embora algumas pessoas não tenham entendido a piada da letra, em particular quando se diz que “parece que em qualquer lugar, há sempre igual, ou melhor, que o nosso”.

Entre 1984 e 2020, muitas coisas mudaram, em particular na última década. Portugal teve um presidente da Comissão Europeia; tem o secretário-geral das Nações Unidas; está na vanguarda de políticas como a despenalização de drogas. O acordo que levou à criação da “Geringonça” foi um referente real para o atual acordo de governação espanhol. E sim, de caminho, ganhou um Europeu de Futebol e, até, uma Eurovisão.

Nesta altura já pouca gente descobre Portugal tarde e mal, como dizem os BLA. Apesar disso, Portugal continua sem atingir o seu potencial real, parece ficar sempre no meio. A gestão da crise do coronavírus é um bom exemplo: durante os meses de confinamento, foi uma referência a nível europeu. Na tentativa de regresso à normalidade, parece que nada melhorou e esta parece ser a sina portuguesa.

Estar menos mal não é bom só porque se poderia estar pior. O país tem de se levar mais a sério e deixar o mofo do passado. Até porque a comparação com o passado ou com o exterior existe desde sempre — Eça de Queiroz ilustra bem isto, parte do charme do primo Basílio vem do seu hábito de desdenhar Lisboa com um “lá fora é tudo mais refinado” — mas não nos pode definir para sempre.

Portugal até pode estar menos mal, mas merece melhor.

04/07/2020

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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