Redes sem dilema: falsifique seus dados

 Redes sem dilema: falsifique seus dados

O Dilema das Redes chegou na Netflix trazendo uma assustadora novidade que todos já sabiam: o Facebook, o Instagram e outras coisas parecidas roubam nossos dados (sim, o termo certo é roubar, porque no fundo não sabemos nem o que eles pegam e muito menos onde isso tudo acaba parando) e (talvez pior, mas quem liga) manipulam nosso comportamento.

Até o momento, me custou um pouco para entender porque o documentário causou tanto espanto, pois afinal, no mínimo desde Snowden, todo mundo já sabia mais ou menos o que podia acontecer com os dados que colocamos nas redes sociais. Mas talvez a novelinha que entremeia o documentário tenha ajudado as pessoas a entenderem que há algo de errado. Enfim, o propósito deste texto é tentar mostrar que algumas das ideias do filme estão mais ou menos erradas.

1. Não são só as redes sociais que roubam nossos dados

E isso significa que ceder nossos dados para as grandes corporações do mundo digital não é exatamente opcional. Se você usa um computador, é muito provável (ou seja, praticamente certo) que seus dados estejam sendo utilizados para algo que você não sabe. A mesma coisa no smartphone: os aplicativos de notícias, jogos, compras e tudo mais não só tentam capturar os seus hábitos, mas mais do que isso, tentam induzir seu comportamento de consumo. Isso significa que, se você dispensar a plataforma onde compartilhava suas férias, não vai mudar muito as coisas, até porque você provavelmente comprou sua passagem com a ajuda do Google.

2. Não dá para combater a selvageria sem despentear o cabelo

É claro que a gente não podia imaginar que as redes sociais iam nos oferecer de graça o que a gente nem queria saber.  Mas, no melhor estilo do Vale do Silício, o filme tenta dar algumas dicas práticas de como se engajar na desobediência civil com seu frappuccino de morango na mão. Mas as receitas contra o problema apresentadas no filme, como por exemplo desligar as notificações do seu celular, provavelmente farão pouca diferença. Claro, esse tipo de atitude talvez possa dar a impressão de que estamos fazendo algo e, em certo sentido, pode aliviar a nossa culpa de desfrutar da nossa própria desgraça. Mas o que mais falta ao documentário é a perspectiva de que se cada um fizer a sua parte não vamos a lugar nenhum. Diante da imensidade das corporações do universo digital, lograremos muito pouco sem ações políticas coordenadas e, principalmente, sem um esforço para que os Estados nacionais exerçam seu papel na proteção dos direitos básicos de seus cidadãos.

3. O que fazer? Falsifique seus dados

Considerando que a esperança de eleições melhores (e consequentemente de melhores iniciativas governamentais na proteção de dados) nem sempre se concretiza, podemos nos render, em parte, à fórmula individualista do documentário com uma pequena desobediência civil. A ideia me surgiu de um amigo. Ele resolveu criar um fake numa rede social. Nos dados pessoais, ele informou, por acaso, que era mulher. Pois bem, o que ele começou a perceber é que toda a propaganda que recebia não fazia o menor sentido: calcinhas absorventes, vestidos e coletores menstruais. Tudo que ele provavelmente não pensaria em comprar. Isso parece mostrar que, além de nossas publicações, as informações pessoais que colocamos nas redes moldam de alguma forma os tais algoritmos. Ou seja, se eu passar a dizer ao Facebook que moro em Lisboa e não no Rio, que sou mulher e não homem ou que me chamo Pedro ao invés de Renato, há uma chance de que isso atrapalhe bem a vida dessas empresas. Talvez, quem sabe, chegando a um ponto de que toda a propaganda que nos enfiam pela goela se torne disfuncional. Será que resolve?  Bom, conversei sobre isso com um outro colega meu, professor do Departamento de Informática e Ciências da Computação em minha Universidade, no Rio de Janeiro. Ele me contou que há uma chance de que mesmo com dados falsos as empresas possam tentar implementar algoritmos reconstruam essas informações “degradadas”. Mas o lado bom disso é que, em primeiro lugar, eles certamente terão mais trabalho para fazer isso. Em segundo lugar, é que, de uma forma ou de outra, as informações que podemos corromper de forma fácil, possivelmente jamais serão reconstituídas com a mesma qualidade que teriam os dados verdadeiros que docilmente costumamos oferecer. Em terceiro lugar, e por fim, não faria mesmo a menor diferença para a maioria de nós.

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Renê Forster

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