Teresa Almeida Santos:“Contribuir para a felicidade das pessoas com caminhos muito duros e difíceis”

 Teresa Almeida Santos:“Contribuir para a felicidade das pessoas com caminhos muito duros e difíceis”

Teresa Almeida Santos. (Fotografia de Hugo Guímaro)

Inovador, único no país e uma janela de esperança para quem, em muito casos, se depara subitamente com um diagnóstico oncológico. Falamos do Centro de Preservação da Fertilidade, integrado no Serviço de Medicina da Reprodução, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). Ana Teresa Moreira de Almeida Santos, médica, professora universitária e investigadora premiada, é a diretora do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia, Reprodução e Neonatalogia do CHUC e do Centro de Preservação da Fertilidade. Diz ter herdado do pai, Agostinho Almeida Santos, um dos percursores da Medicina da Reprodução em Portugal, a paixão por esta área. Transmite, ainda, uma enorme sensibilidade quando fala das pessoas que acompanha nas consultas, e da dedicação e empenho de toda a equipa. E é, sobretudo, notório um brilho especial no seu olhar quando se refere aos casos em que através da criopreservação de ovócitos, tecido ovárico, embriões ou tecido testicular imaturo, em pessoas afetadas por um cancro, nasceram, depois das cirurgias e tratamentos, bebés!

Ao sinalAberto, Teresa Almeida Santos falou do seu trabalho no Centro de Preservação da Fertilidade que, desde que foi criado em 2010, já realizou 397 consultas com doentes oncológicos. Destes, 192 optaram pela criopreservação de ovócitos, 79 realizaram criopreservação de tecido ovárico, 15 criopreservação de embriões e foram feitas quatro criopreservações de  tecido testicular imaturo, ou seja, em crianças.

sinalAberto – O que é o Centro de Preservação da Fertilidade?

Teresa Almeida Santos – Este Centro teve a sua génese em 2010, quando na altura se identificou a necessidade de dar resposta aos doentes oncológicos jovens — para lhes dar resposta em termos de fertilidade futura — que eram surpreendidos com o diagnóstico de um cancro em idade reprodutiva. Sabíamos que os tratamentos do cancro, quer a radioterapia, quer a quimioterapia, muitas vezes até a própria cirurgia, condicionavam uma percentagem significativa de fertilidade no futuro. Percentagem que era maior ou menor dependendo da idade dos doentes e de outras condições intrínsecas. Perante isto, começou a haver uma consciência a nível mundial, desde 2007, de que era preciso dar oportunidade a esses jovens de, no futuro, terem a possibilidade de concretizarem o seu projeto de parentalidade, apesar do tratamento poder causar infertilidade. 


sA – O que fazem, então, exatamente?

TAS – Antes dos tratamentos, para virem a poder assegurar no futuro um projeto de parentalidade, isso passaria pela congelação de óvulos ou de espermatozoides. Em 2007, 2008, quando se começou a falar nisso — o próprio termo oncofertilidade, que foi usado pela primeira vez em 2006 por uma investigadora americana — começou facilmente a perceber-se que para os homens era muito simples fazer uma recolha de espermatozoides e preservá-los. Quanto às mulheres, não era na altura possível congelar ovócitos com eficácia e portanto aquilo que se começou a fazer foi congelar tecido ovário. Ou seja, a remover o ovário e preservá-lo para manter o ovário fora do efeito tóxico da quimioterapia e mais tarde poder transplantá-lo. E começámos assim.

Com a evolução da investigação e da sua aplicação, por volta de 2016 passou a ser possível congelar óvulos com qualidade porque se desenvolveu uma técnica, a vitrificação de ovócitos, que permite congelar e descongelar óvulos com grande eficácia, sem que eles sejam destruídos. O problema dos óvulos é que são células muito grandes, e como são muito grandes têm muita água. Ao congelar formam-se cristais de gelo que depois faziam com que os óvulos não sobrevivessem ao processo de descongelação para poderem ser usados posteriormente.


sA – Não era tão eficaz?…

TAS – Exatamente. Só se tornou mais eficaz perto do final da primeira década deste segundo milénio. Só nesta altura é que deixou de ser considerado experimental, porque de facto começaram a desenvolver-se técnicas que permitem através da vitrificação um arrefecimento muito rápido das células que não dá tempo para se formarem os cristais de gelo. A partir daí foi a explosão da possibilidade de fazer a congelação de óvulos de forma análoga ao que se fazia com os espermatozoides.


sA – Deu-se, então, aí uma grande mudança?

TAS – Foi a grande viragem. Neste momento e com essa técnica, que hoje é amplamente utilizada, nós já só recorremos à congelação de tecido ovárico em circunstâncias limite. Em que não há tempo para fazer uma estimulação dos ovários, que leva 13 ou 14 dias, ou em crianças em que não é possível fazer a estimulação dos ovários porque não têm idade suficiente, ou, ainda, em situações em que é urgente começar a quimioterapia e não é possível esperar estes dias. Portanto, o grande avanço foi de facto esta técnica de vitrificação de ovócitos que nos veio permitir ter uma abordagem semelhante, ou quase idêntica entre homens e mulheres em idade reprodutiva, embora para os homens o processo continue a ser muito mais simples. Mas, pelo menos temos técnicas com boa eficácia para ambos.

Teresa Almeida Santos. (Fotografia de Hugo Guímaro)

s– Qual o perfil das pessoas que procuram o Centro?

TAS – É muito diverso: não só jovens com doenças oncológicas da Região Centro, mas também de todo o país, incluindo Ilhas.


s– E quando fala de jovens, estamos a falar de que idades?

TAS – Antes dos 40 anos. Isto porque nós só podemos realizar técnicas de reprodução até aos 40 anos na mulher, no homem até um pouco mais tarde.


s– E quem pode recorrer a este serviço: apenas casais casados, em união de facto, quem precisamente?

TAS – Para congelar qualquer jovem ou até criança. Porque este procedimento faz parte do tratamento oncológico. Podemos estar perante uma criança, um adolescente de 12 ou 14 anos que ainda pensou em constituir família, mas que é um projeto que poderá assegurar nesse momento.


s– A congelação dos diferentes materiais tem eficácia durante quantos anos?

TAS – Temos embriões criopreservados, assim como espermatozoides durante 20 ou mais anos sem problemas. Ovócitos não temos ainda dados porque a sua preservação é mais recente. Contudo, não há nada que nos faça sugerir que não seja a mesma coisa.


s– Este é um trabalho que envolve certamente uma grande equipa.

TAS – É realmente um trabalho de equipa que assenta muito no trabalho de biólogos, porque eles é que fazem e acompanham a congelação e descongelação. É também um trabalho muito importante da psicologia, porque estas decisões são muito difíceis. Estamos a falar de indivíduos jovens que nunca pensaram que iam ter um cancro, que é sempre uma ameaça à vida. Uma doença que pode surgir como uma rotura completa com o projeto de vida e que portanto nesta altura em que têm de submeter a exames e a tratamentos evasivos, ainda têm de tomar uma decisão sobre um projeto de parentalidade futura, sob pressão e muito rapidamente. Daí que, o acompanhamento do psicólogo ao equacionar os diferentes cenários possíveis, ao explicar as vantagens e inconvenientes de cada uma das técnicas e no futuro como poderá ser feita a sua aplicação, seja crucial. E até o é para as pessoas que não queiram optar por esta via.

s– São muitos os que optam por não fazer nenhum tipo de preservação?

TAS – Cerca de um terço das pessoas mesmo depois de discutirmos as possibilidades técnicas que temos para lhes oferecer não querem fazer nada. Dizem: “se tenho uma probabilidade de 40 ou 50% de ficar infértil arrisco”. Mas, isto tem de ser uma decisão muito consciente e informada e a psicologia entra nesta consulta multidisciplinar de forma muito importante. Não só porque ajuda as pessoas na tomada de decisão como depois também lhes dá o suporte, após a respetiva opção, para que não se venham a arrepender no futuro.

Teresa Almeida Santos. (Fotografia de Hugo Guímaro)


s– Quando refere que recebe pessoas de Coimbra e de unidades hospitalares de todo o país, incluindo Ilhas, deduzo que tenha de ser um processo muito rápido, ter uma grande disponibilidade. Como se desencadeia todo o procedimento até as pessoas chegarem à vossa consulta?

TAS – O nosso compromisso é de marcar uma consulta no período de 24 a 48 horas. E já nos aconteceu marcar a consulta e a pessoa até nem ter tempo de se organizar para vir, nomeadamente, quando são doentes de fora de Coimbra. No entanto, os pedidos chegam-nos por e-mail, por telefone ou através do sistema de “consulta a tempo e horas” e temos esse compromisso de em 24 a 48 horas termos uma consulta marcada que agora até pode ser uma primeira consulta à distância, sobretudo para os doentes de fora. Para os doentes da região Centro normalmente não é à distância, até porque habitualmente as pessoas têm exames para fazer e procuramos conciliar essa vinda para terem a consulta. E temos de ter essa flexibilidade. Por isso é que isto não é uma equipa fixa, mas sim uma equipa que tem que se adaptar às circunstâncias e exigências de cada momento, de cada doente.


s– Equipa que tem de possuir uma enorme disponibilidade para fazer face às exigências e circunstâncias que refere…

TAS – Acima de tudo, estamos é muito empenhados. Os casos, sobretudo os últimos que nos têm sido referenciados pelos IPOs de Lisboa e do Porto, já não vêm ter connosco. Fazemos uma consulta multidisciplinar com o oncologista, o doente (ou o doente e os pais em caso de crianças) no local onde estão e deste lado estou habitualmente eu, a psicóloga e o biologista; conversamos sobre as opções e tomamos uma decisão. E, ultimamente, até temos privilegiado, sempre que possível, que a colheita do material seja feita no local onde está a ser acompanhado o doente.


s– Parte da equipa desloca-se ao local?

TAS – Imagine-se que é tecido ovárico, ou tecido testicular, a recolha é feita, por exemplo, no IPO de Lisboa ou no IPO do Porto por especialistas de lá e nós só recebemos o material aqui e procedemos à preservação.  


s– Fica preservado na sede das instalações do Centro, no São Jerónimo, no CHUC?

TAS – Não, estas ficam no Pólo do Hospital Pediátrico onde temos o laboratório, por ser mais próximo das crianças. Mesmo as crianças não saem do hospital onde habitualmente são tratadas, é mais simpático.

s– O recurso às consultas virtuais tem resultado? As pessoas sentem-se bem nesse ambiente?

TAS – Já tínhamos tido um projeto de fazer esta consulta multidisciplinar com recurso a plataformas virtuais, mas na altura acabámos por não avançar. Contudo, com a pandemia tivemos esta facilidade de as pessoas todas aderirem e tornou-se muito mais simples, porque efetivamente a consulta é com toda a gente ao mesmo tempo. Tiram-se as dúvidas todas. Os pacientes discutem connosco os consentimentos informados e assinam-nos. Sempre que possível a recolha é feita no local onde estão e depois só é agilizado o transporte e nós procedemos aqui ao tratamento laboratorial. Além de que, não há nenhum tipo de pressão, demora o tempo que tiver que demorar, sem pressas e é à hora que for adequado para todos. Tem funcionado muito bem.


s– Em finais de 2015 referia que a primeira doente que foi transplantada com tecido ovárico no país teria sido no dia 30 de outubro desse ano, como correu?

TAS – Essa senhora já tem crianças mas não foi decorrente do transplante do tecido ovário. Não conseguimos a gravidez por esse método. E só fizemos mais um outro transplante ainda por esse método. E no final do mês vamos transplantar uma terceira senhora.


s– Num primeiro olhar parecem poucos. Existe alguma razão?

TAS – Primeiro, porque deixamos de utilizar esta técnica de congelação, e posteriormente realizar o transplante do tecido ovárico, a partir do momento em que os ovócitos se tornaram mais simples de preservar. A aplicação hoje é apenas para crianças, na puberdade ou para situações muitíssimo raras em que se tem, por exemplo, de começar a quimioterapia em dois dias e não há templo de estimular os óvulos.

Por outro lado, porque entre a congelação e a utilização do tecido decorrem sempre vários anos, podem ser 10, 15. Mas, mesmo que não tenha sido numa criança, nos raros casos em que o fizemos em adultos, nesses primeiros casos, efetivamente é necessário que depois da pessoa fazer o tratamento, depois de passarem os cinco anos para ser considerada curada, e se depois quiser engravidar, e não conseguir, entretanto passam uma série de anos até o tecido ser utilizado. Infelizmente até temos casos de pacientes que morrem e que não o vêm a utilizar.

s– A partir do transplante de tecido ovárico tem algum bebé nascido por este método?

TAS – Ainda não. É, como referi, um processo que pode demorar muitos anos.


s– E por transplante de ovócitos?

TAS – Sim, por esse método temos.

s– Conhece algum desses bebés?

TAS – Conheço. Posso até contar um caso que é muito interessante e que é único no mundo. Uma jovem que tinha uma doença cardíaca hereditária e acabou por ser submetida a um transplante cardíaco. Na sequência do transplante cardíaco teve de fazer imuno secreção por estar a rejeitar o transplante e no decurso desse procedimento a senhora faz um linfoma, portanto um temor pélvico. Vem ter connosco e nós fizemos a preservação dos ovócitos. Faz posteriormente o tratamento de quimioterapia, de radioterapia, inclusivamente sobre o útero, e depois de estar curada vem utilizar os ovócitos.

Era um caso difícil porque tinha estes antecedentes todos. Não foi fácil preparar o útero, mas depois engravidou e correu tudo bem e nasceu uma criança saudável. Este é o caso que mais me marca porque é um caso muito complexo e que ilustra a necessidade de um apoio multidisciplinar desde o início.

s– O que é que sentiu quando olhou para aquela mamã e para aquele bebé?

TAS – Senti uma alegria indescritível por ter contribuído de facto para tornar uma pessoa, uma família feliz. Uma jovem com 30 anos que já teve um transplante cardíaco, que já teve um tumor, fez quimioterapia, radioterapia e que consegue ser mãe, não há como não ficar comovida, radiante.


s– Sentiu que todo o empenho e trabalho desenvolvido ao longo dos últimos anos por si e pela sua equipa, valeu a pena?

TAS – Sim, além de que foi ainda mais engraçado neste caso. A criança nasceu na maternidade Doutor Daniel de Matos e quando eu fui vê-la a senhora disse-me: “sabe, eu também nasci na sequência de um tratamento que o seu pai fez à minha mãe”. Ou seja, ela própria já era resultado de um procedimento a que a mãe se tinha submetido e que tinha sido o meu pai a realizar. Portanto, foi um misto de emoções que realmente é difícil de descrever mas que nos fazem sentir que todos os esforços são compensados. Que isto é que é contribuir para a felicidade das pessoas. E pessoas com caminhos muito duros e muito difíceis.

Na área da reprodução assistida nós também contribuímos para que as pessoas tenham filhos e concretizem esse projeto, mas aqui são pessoas que têm a dor da infertilidade, mas além disso têm a dor do cancro, a dor de sabor que poderão não sobreviver.


s– O dia-a-dia da Medicina de Reprodução é trabalhar todos os dias nesse sentido, mas devido a outras patologias que as pessoas têm, é isso?

TAS – Sim, só que parece que não valorizamos tanto, mas também são casos muito sofridos.


s– O que é então a Medicina de Reprodução? Que pessoas recorrem a ela?

TAS – Recorrem à Medicina de Reprodução as senhoras que têm problemas de trompas, que estão obstruídas, ou que têm problemas de ovulação. O marido que tem problemas de espermatozoides, o que é cada vez mais frequente. E o que nós tentamos na Medicina clássica de Reprodução é otimizar as condições para que ocorra uma gravidez quando há limitações da parte de um ou de ambos os elementos do casal que pretende ter um filho.

No Centro de Fertilização não. Aqui estamos mesmo vocacionados a ir mais além, ao mesmo tempo que estamos a minimizar o efeito secundário da terapêutica oncológica, uma vez que a infertilidade não deixa de ser apenas um efeito secundário da terapêutica oncológica. Só que era um efeito secundário que era renegado para segundo plano, as pessoas não valorizavam. Mesmo os médicos oncologistas, muitos deles não valorizavam, consideravam os vómitos, a queda do cabelo, a toxicidade empática, mas a parentalidade era uma coisa para depois, logo se via.

Agora isto mudou, graças ao nosso trabalho o panorama mudou muito. Os oncologistas já vêm isto de facto como um efeito secundário frequente que é possível minimizar. Orgulho-me, porque é fruto do nosso muito trabalho. Ao longo dos anos conseguimos levar esta mensagem, pelo que hoje são muito poucos os oncologistas que não discutem esta questão da infertilidade e de a prevenir nos doentes oncológicos.

Teresa Almeida Santos. (Fotografia de Hugo Guímaro)

s– As mulheres e os homens que vos chegam têm todo o nível de formação? Até tendo em conta que cerca de um terço opta por não fazer nada.

TAS – Claramente que as pessoas que nos chegam têm algum grau de literacia. O que, à partida, não devia ser. Deveria ser mais representativo da população, mas o facto é que têm. Não sei se é porque aderem mais, ou porque têm mais informação. No entanto, mesmo pessoas com um nível cultural inferior, digamos assim, sentem isto como muito importante — talvez até valorizem mais a parentalidade do que pessoas com mais literacia.

Em todo o caso, temos desde pessoas só com instrução primária até doutorados. Se é diferente a tomada de decisão?, não me parece. Talvez seja mais complexa a tomada de decisão nas pessoas com mais literacia porque se questionam mais, porque vão mais à internet. Aí talvez sejam estas últimas que assumam mais correrem o risco, porque as menos informadas têm mais tendência a aderirem às possibilidades propostas e querem sobretudo assegurar possibilidades para o futuro. As pessoas dizem muito isto: “eu quero ter a certeza de que fiz tudo o que estava ao meu alcance. Posso até não querer ter filhos mais tarde, nunca pensei nisso, mas quero ter a certeza de que fiz tudo o que havia para fazer”. E isto é muito importante: as pessoas terem a certeza de que têm a informação toda, que podem tomar uma decisão para que mais tarde não se venham a arrepender. E há estudos que mostram que as pessoas que não tiveram esta oportunidade de decidir depois lidam muito mal com a infertilidade. Lidam com este diagnóstico de uma forma muito dolorosa, há quem diga até que tão dolorosa como o diagnóstico do cancro, que aconteceu sem que lhes tivessem dado informação e sem que tivessem tido a oportunidade de parar para pensar e decidir: Eu quero isto; Isto para mim é importante; Eu quero fazer alguma coisa; Isto para mim não é tão importante, eu quero é fazer o tratamento e depois se verá.

s– Referiu que tem uma equipa multidisciplinar que acompanha estas pessoas que vos chegam assustadas.

TAS – Muito assutadas.


s– Porque são confrontadas de repente com estes diagnósticos, uma vez que na maioria dos casos o cancro surge silencioso? Depois em contacto convosco as pessoas têm alguma esperança e quando, posteriormente, vem a resultar o nascimento de um bebé há aqui todo um processo que envolve muitas emoções, muitos estádios? Como é lidar com todo este procedimento?

TAS – Nós acompanhamos esse processo todo. Do desalento, à esperança. Guardo alguns testemunhos particularmente importantes e costumo dizer sempre quando falo disto ou quando dou aulas sobre isto, que é muito importante para as pessoas terem esta oportunidade de falarem e de discutirem se querem ou não minimizar este efeito secundário. Porque só o facto de os médicos oncologistas e de medicina de reprodução estarem preocupados em discutirem a possibilidade de prevenirem a questão da fertilidade, dá às pessoas que estão compreensivelmente desorientadas a ideia de que se estão preocupados com isto, é porque eu me vou safar. É mesmo isto que as pessoas pensam. Se estão preocupados com o meu futuro daqui a cinco ou dez anos é porque eu tenho uma boa probabilidade de sobrevivência, só isso já é importante. Mesmo naquelas que decidem não fazer nada tem este efeito positivo. Olham para isto como vendo que há um futuro para além daquele diagnóstico oncológico. Esta é apenas uma possibilidade nesse futuro que lhe propomos se querem ou não assegurar, mas há um futuro. E isso é muito importante.

s– Imagino que isso tenha um impacto muito grande nas pessoas.

TAS – Muito grande. Esta consulta deve ser feita mesmo que a pessoa não tenha, à partida, grande vontade de fazer nada. Só para ter esta noção de que há um futuro e que deve ser preparado agora porque depois podemos não ter oportunidade. E há um outro caso que eu mostro sempre também e que tem a ver com uma senhora que me contactou por e-mail há uns cinco anos, porque o marido tinha um cancro no pulmão num estádio avançado e estava já a fazer uma terapêutica quando pediram a colheita de esperma, portanto um pouco tardiamente. Na altura, ele já nem tinha espermatozoides. Disse-lhe que o melhor era esperarmos, que tivessem calma que porventura outra solução poderia ser encontrada. O marido acabou por fazer uma terapêutica experimental para o tumor que permitiu que o senhor ainda esteja vivo e que já tenha uma criança com recurso a espermatozoides de um dador. São, no entanto, uma família feliz e periodicamente a senhora manda-me um e-mail com fotografias deles a agradecer. Num deles referiu: “Obrigada por não nos ter deixado desistir. O facto de o meu marido não poder ter um filho biológico para nós não é o mais importante, é realmente ele estar vivo. Já temos o nosso filho e só desejamos que continue na sua luta”. Mesmo quando não é possível do ponto de vista biológico, este acompanhamento é muito importante porque as pessoas podem encontrar outra alternativa com a força que vêm aqui buscar.

s– No caso da Medicina de Reprodução têm lista de espera?

TAS – Temos lista de espera, a mais baixa do país, mas temos. Neste momento estamos em cerca de sete meses.


s– Incomoda-a?

TAS – Claro que sim. Até porque até ao início da pandemia não tínhamos. Agora como parámos durante algum tempo, os recursos humanos também são menos, não é possível fazer mais. No entanto, até sete, oito meses ainda acho que é razoável, mais do isso começa a deixar de ser, até porque a fertilidade depende muito da idade. E a taxa de sucesso dos tratamentos também depende desse fator. Ainda não temos como resolver o problema do envelhecimento das mulheres.

No Sistema Nacional de Saúde os tratamentos são gratuitos. Só são pagos parte dos medicamentos que só são comparticipados a 69%.


s– E num país com um défice demográfico é uma questão importante?

TAS – Está a ser feito um esforço nesse sentido. Temos até um grupo de trabalho nomeado pelo Secretário de Estado para procurar propor algumas soluções para este problema das listas de espera e aumentar a capacidade de resposta.


s– Todos estes tratamentos são gratuitos?

TAS – No Sistema Nacional de Saúde os tratamentos são gratuitos. Só são pagos parte dos medicamentos que só são comparticipados a 69%. Ainda assim, os utentes pagam umas centenas de euros.


s– Parece-lhe bem que mesmo assim estas pessoas ainda tenham de despender de centenas de euros?

TAS – Idealmente deveria de ser totalmente gratuito, incluindo a comparticipação a 100% dos medicamentos, até porque é um desígnio nacional o aumento da natalidade. Sobretudo, para as pessoas que têm dificuldades económicas, pelo menos para essas. Quem pode pagar tudo bem, para quem não pode deveria haver incentivos.


s– Que medidas gostaria de ver elencadas então nesta área?

TAS – Acessibilidade nos tratamentos para todos.

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Licínia Girão

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