Um frágil equilíbrio

 Um frágil equilíbrio

Antes da utilização generalizada das tecnologias da informação e comunicação (TIC), a criptografia era uma área do saber quase exclusivamente utilizada por serviços secretos, em guerras mais ou menos frias, sendo que ainda nos dias de hoje se restringe a esse âmbito no imaginário de muitos. No entanto, a verdade é que a criptografia faz parte do dia-a-dia de todos nós e, de facto, muito do que fazemos no nosso quotidiano não seria viável sem ela.

Recorrendo à criptografia é possível cifrar informação de tal forma que ela seja acessível apenas ao possuidor de uma chave apropriada para tal. Idealmente, sem essa chave a informação original não pode ser recuperada. Dadas estas características, é compreensível que a criptografia fosse utilizada, primeiramente, em ambientes militares. Há mais de dois mil anos, Júlio César utilizou técnicas de criptografia para enviar informação aos seus generais, evitando, desta forma, que as suas ordens fossem intercetadas pelo inimigo. Apesar de extremamente simples, essas técnicas foram utilizadas durante alguns séculos. Mais recentemente, na Segunda Guerra mundial, a Alemanha desenvolveu uma série de máquinas de cifragem – as máquinas Enigma – utilizadas nas comunicações militares. Tratava-se de máquinas extremamente sofisticadas, cuja decifragem só foi possível graças ao trabalho de especialistas como Alan Turing, pioneiro da computação.

Nos dias de hoje, a criptografia é essencial em todo o tipo de aplicações. Sem criptografia não seriam viáveis o comércio eletrónico, o home banking, os cartões de débito e de crédito, e as comunicações móveis. Serviços críticos como a produção de energia, as telecomunicações, as redes de água e gás, ou as forças militares e de segurança, ficariam seriamente comprometidos. Todos os serviços que implicam algum tipo de autenticação dos utilizadores ou confidencialidade de dados/informação seriam impossíveis. Particulares e empresas teriam que abdicar da utilização das redes de comunicação, o que implicaria regredir meio século. Para além disso, o próprio funcionamento da Internet atual seria inviável sem criptografia, já que alguns dos seus serviços de infraestrutura seriam rapidamente atacados e tornados inoperacionais. Compreendemos, assim, que nunca a criptografia foi tão importante.

Mas se é certo que as TIC têm permitido o desenvolvimento e utilização de técnicas de criptografia extremamente poderosas, também é certo que são essas mesmas TIC as ferramentas essenciais de quem quer quebrar os mais sofisticados e complexos algoritmos de encriptação. É, pois, curioso verificar que, tal como acontece muitas vezes na natureza e nos ecossistemas, também no domínio das TIC a normalidade depende de um frágil equilíbrio entre forças que se opõem e que permite que praticamente todos os sistemas nos quais assenta a nossa sociedade continuem a funcionar.

02/06/2020

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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